Lukas Gabriel Grzybowski

AS TRADUÇÕES E A PESQUISA EM HISTÓRIA MEDIEVAL: REFLEXÕES SOBRE UM PROBLEMA

O uso de traduções no desenvolvimento de investigações a respeito do passado medieval é um constante dilema para pesquisadores e estudantes da área, especialmente no contexto brasileiro em que a aprendizagem de línguas estrangeiras, sobretudo as clássicas, é tido como um privilégio para poucos, dada a parca oferta de meios para a formação. De modo geral, professores e orientadores se vêem forçados a oferecer aos alunos, se não uma tradução à língua portuguesa, uma tradução a outra língua moderna, geralmente o inglês, a fim de propiciar um contato mais direto destes com os textos medievais que compõem o universo de fontes sobre as quais as pesquisas sobre aquele período se baseiam. Ao mesmo tempo, especialmente em virtude dos investimentos públicos realizados na formação e capacitação em nível superior, cresceu nos últimos tempos significativamente o número de profissionais e estudantes, sobretudo de pós-graduação, com um domínio mais ou menos sólido das linguagens das fontes medievais, o que impulsionou também as exigências relativas à qualidade do manuseio e interpretação das fontes nos trabalhos acadêmicos, e consequentemente aumentou, entre os acadêmicos, as ressalvas ao uso de traduções nas análises relativas ao medievo. É sobre este complexo e controverso tópico que pretendo discorrer brevemente neste ensaio.

Os testemunhos da Idade Média e a sua linguagem
A Idade Média é, sem dúvida, um dos períodos mais alheios ao homem moderno. Seja por sua distância espaço-temporal – especialmente em relação ao brasileiro do século XXI – ou por sua distinção em relação aos conceitos, visões de mundo e expressões da vida social, política, cultural, econômica, religiosa, entre outros, quando colocada lado a lado com as épocas mais recentes. A linguagem utilizada nos testemunhos desse período desempenha, certamente, um papel central na interpretação da Idade Média como alheia – ou quase incompreensível.

As fontes medievais foram, em sua totalidade, compostas nas linguagens típicas de sua época. Dentre estas destaca-se o latim, em sua forma medieval, como língua franca, utilizada na composição de uma ampla gama de materiais escritos, em uma época em que os múltiplos vernáculos careciam ainda de uma sistematização que lhes garantisse o mesmo caráter universalizante. Estes, todavia, não foram de modo algum negligenciados pelas camadas letradas, compondo um segundo grande grupo de línguas aplicadas na composição de materiais textuais na Idade Média, sendo que sua importância se amplia nos séculos finais do período, em virtude do processo de consolidação dos Estados modernos. Desse modo, o pesquisador ou estudante da Idade Média é confrontado com uma gama de materiais escritos em latim medieval – e seus diversos graus de elaboração e/ou rusticidade –, em alemão medieval (Antigo, Alto- e Baixo-Médio), em Anglo-Saxão (e suas variedades), Inglês Antigo e Médio, Nórdico Antigo, Francês Antigo, Occitano, e demais variações das línguas latinas na península Itálica e Ibérica, para me restringir ao espaço ocidental e não adentrar o universo de línguas eslavas e gregas, que dominavam o espaço sob influência mais direta da cultura bizantina, ou a presença do árabe medieval, que também se mostrou impactante em diversos ambientes de contato e interação na Bacia Mediterrânica ao longo do medievo. Somem-se às linguagens textuais as linguagens estéticas e materiais e obtém-se um mero vislumbre da complexidade que compõe o universo das fontes medievais.

Diante desse quadro é preciso reconhecer que, efetivamente, por “terem sido compostas na língua de sua época, as fontes medievais precisam em primeiro lugar ser transpostas para a nossa língua, isto é, ao menos as passagens interessantes para a própria questão precisam ser traduzidas.” (Goetz, 2014, p. 251). Tal afirmação parece deslocada se considerarmos – como já afirmei – que cada vez mais observa-se no cenário acadêmico uma cobrança pelo recurso aos textos documentais em sua língua original nas análises a serem apresentadas aos seus pares. Todavia, é preciso recordar que em última instância o historiador é sempre um tradutor, na medida em que ele ‘traduz’ uma informação contida em determinada fonte em um conhecimento útil e aplicável para os seus leitores, mesmo que essa fonte se encontre em uma língua acessível a ambos. É nesse sentido, em primeiro lugar, que Goetz se refere à necessidade de transposição da fonte para a língua moderna. Ela não se restringe a uma tradução no nível da linguagem, mas depende de uma interpretação do texto a fim de que se torne inteligível para o leitor contemporâneo (Croce, 1962). “Toda tradução é, portanto, até certo grau ela mesma uma já interpretação” (Goetz, 2014, p. 251).

Como consequência disso, o uso indiscriminado de traduções para línguas modernas precisa ser encarado com olhares críticos. Tal afirmação não se pretende como defesa de um purismo inalcançável, posto que mesmo entre os falantes de uma mesma língua a multiplicidade de interpretações possíveis de um texto pode levar a contrassensos. Um exemplo possível é a revolta gerada na corte imperial em 1157 em virtude do emprego do termo latino beneficium em uma carta de Adriano IV a Frederico I, Barbarossa. Adriano afirmava que o imperador havia recebido o império na qualidade de um beneficium do papa. Embora o termo pudesse ser entendido literalmente como uma gentileza, ou bondade do papa, o mesmo era igualmente empregado para designar um benefício recebido no âmbito das relações feudo-vassálicas, o que poderia ser interpretado – como o foi, daí a revolta – como a tentativa de Adriano definir o Império como doação sua a um vassalo, neste caso Frederico (Rahewin, von Freising, 1912, p. 186).

Como esse exemplo deixa claro, mesmo entre os autores medievais e suas audiências havia espaço para interpretações e incertezas quanto ao uso de determinados termos e conceitos nos textos, de modo que o mesmo deve ser considerado em relação às traduções possíveis para as línguas modernas. Assim, a comparação dos trechos traduzidos com os originais, especialmente no caso do emprego de edições já publicadas é fundamental para que o investigador possa reconhecer e – possivelmente indicar – as diversas possibilidades interpretativas do texto da fonte, e que não necessariamente constituem a opção ou preocupação central do tradutor de determinada edição.

Somado a essa questão de caráter interpretativo, é preciso que se tenha sempre em mente o fato das línguas dificilmente se corresponderem plenamente em suas terminologias, conceitos, e mesmo nas suas estruturas gramaticais, sejam morfológicas ou sintáticas. Consequentemente, uma tradução quase nunca permitirá ao leitor reconhecer questões vinculadas diretamente às escolhas do autor medieval, e que possuem direta interferência sobre os modos possíveis de interpretação de um determinado trecho no texto latino. Note-se, por exemplo, que os originais medievais raramente traziam qualquer marca de pontuação, e a simples inserção de uma separação entre orações pode alterar o sentido de toda uma passagem, graças às características da gramática latina. “Em tais circunstâncias, é essencial discutir pelo menos as respectivas passagens relevantes no texto original – apesar das dificuldades de linguagem associadas com isso para os estudantes de hoje; somente o exercício consistente pode ajudar nesse caso.” (Goetz, 2014, p. 251). Finalmente, para além dos problemas já apontados é preciso considerar que “cada língua (inclusive a sua própria): (a) possui seu próprio estilo, (b) é histórica, ou seja, está atrelada a cada época e, (c) é um meio de comunicação, que serve à compreensão, mas –especialmente na forma escrita – permanece sempre ambígua e pode, portanto, dar origem a compreensões equivocadas. Essas ambiguidades devem ser consideradas durante a avaliação das fontes” (Goetz, 2014).

Alguns exemplos
Para ilustrar a questão discutida até o momento nesse curto ensaio eu proponho observar algumas traduções da obra de Adam de Bremen, para o português, o alemão e o inglês, e compará-las com o texto latino da edição de B. Schmeidler. Não posso, contudo, deixar de mencionar que a própria edição de Schmeidler, ainda que seja hoje adotada como o standard para o trabalho acadêmico com a obra de Adam, já sofreu uma série de críticas, a mais ampla da parte de Anne Kristensen (1975). Além dessas, proponho também um olhar sobre uma tradução de um diploma, publicado na coleção ‘História da Idade Média: textos e testemunhas’ de Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez.

O primeiro exemplo que eu gostaria de trazer à discussão é talvez o mais emblemático no sentido de como a tradução é uma interpretação do texto e de como tal interpretação é fruto de sua própria época, sendo ela mesma historicamente datada. Em sua tradução das Gesta Hammaburgensis para o alemão, datada de 1961, Werner Trillmich escreve, no capítulo 31 do segundo livro, que “naquela época apareceu na costa da Saxônia uma frota dos Vikings” (Trillmich, 1990, p. 267). Trillmich optou pelo termo “Viking” (Wikinger no alemão) nessa passagem para traduzir o termo “pyrata” que aparece no latim de Adam. A tradução de Francis Tschan, por outro lado, traduz o termo como “pirates” (Tschan, 2002, p. 75), ou seja, mantendo-se mais fiel à semântica latina e às concepções de Adam. Existem razões lógicas para a escolha de Trillmich. Mais adiante, no capítulo 6 do quarto livro de Adam o autor explica que “estes piratas, pois, que entre eles são chamados vikings, entre nós ascomanos...” (Adam de Bremen, 1917, p. 233). Assim, Trillmich provavelmente estava se baseando na própria explicação de Adam para justificar o uso do termo “viking” na tradução do latino “pyrata”. Todavia, não se pode ignorar que esse uso por parte de Trillmich também atende a expectativas contemporâneas à tradução, posto que, desde ao menos o início do século XIX e o processo de “romantização” do passado germânico-escandinavo, a historiografia e literatura, entre outras formas de expressão, passaram a enfatizar e criar retrospectivamente, e, portanto, anacronicamente, uma “consciência viking” na cultura medieval. Ademais, diante dessa carga, o uso do termo “viking” traz ao texto de Adam uma carga, se não positiva, ao menos neutra em relação aos escandinavos em excursões de pilhagem no território germânico, uma acepção que o termo “pirata” não permite tão facilmente.

Tschan, por outro lado, mantém o termo “pirata”, não somente por conta de sua pureza semântico-etimológica, mas também, possivelmente, por conta justamente de sua carga negativa relativa ao termo, em uma época – o pós-guerra – em que a crueldade e vilania germânicas estavam mais que vivas na memória do mundo ocidental. O estudante, ou pesquisador, que se baseia nessas traduções para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas está, então, refém de questões que ultrapassam uma simples variação linguística ou uma preferência estética do tradutor. Ademais, o pesquisador perde, com as traduções, o acesso aos possíveis sentidos dados pelo próprio autor do texto medieval em sua obra.

O segundo exemplo que trago relativo à obra de Adam de Bremen é uma tradução de dois capítulos relativos ao chamado “templo” de Uppsala na Suécia. Os capítulos traduzidos foram publicados no ‘Dicionário de mitologia nórdica’ (Langer, 2015). Para melhor visualização, apresento a seguir a tradução publicada, de autoria de R. M. Marttie, ao lado do original, do qual supostamente teria sido traduzido, e de uma tradução minha, feita diretamente a partir do texto da MGH, na edição de B. Schmeidler.

Tradução minha da ‘Gesta Hammaburgensis’ na edição de B. Schmeidler

‘Gesta Hammaburgensis’ em suposta tradução de B. Schmeidler por R. M. Marttie, publicada em (Langer, 2015)

Gesta Hammaburgensis’ na edição de B. Schmeidler (1917, p. 257–260)

XXVI. Aquele povo possui um templo nobilíssimo, ao qual chamam Uppsala, localizado não muito distante da comunidade de Sigtuna [ou Birka]. Neste templo, o qual é todo ornado com ouro, são veneradas pelo povo as estátuas de três deuses. Assim, Thor, o mais poderoso destes, possui um assento no centro do salão cerimonial; de um lado e de outro têm lugar Wodan e Fricco. As descrições desses são as seguintes: ‘Thor’, dizem, ‘preside sobre o ar, de modo que governa sobre trovões e raios, ventos e chuvas, bons tempos e colheitas. O outro, Wodan, isto é, fúria, conduz as guerras e fornece ao homem a virtude contra os inimigos. O terceiro é Fricco, generoso para com os mortais em paz e prazer. Cujo simulacro, portanto, eles moldam com um genital masculino imenso. Wodan, contudo, esculpem armado, do mesmo modo que os nossos fazem Marte: Thor, todavia, com um cetro parece imitar a Júpiter. E eles adoram também a deuses criados a partir de homens, aos quais doam a imortalidade em virtude de feitos grandiosos, assim como pode ser lido na Vita de Santo Ansgar, foi feito com o rei Erik.

XXVII. E a todos os seus deuses foram atribuídos sacerdotes, os quais oferecem os sacrifícios do povo. Se a peste e a fome ameaçam, o ídolo de Thor é libado, se guerra, de Wodan, se devem ser celebradas núpcias, de Fricco. Também é comum celebrar em Uppsala a cada nove anos uma cerimônia sagrada conjunta de todas as províncias da Sueônia. A esta solenidade, aparentemente, não é concedida imunidade a ninguém. Os reis e os povos, todos e cada um. todos enviam as suas oferendas a Uppsala, e, o que é mais cruel que qualquer penalidade, aqueles que já assumiram o cristianismo, (precisam) se resgatar (mediante pagamento) daquelas cerimônias. Assim, o sacrifício é desse modo: de todo ser vivo, que é masculino, nove cabeças são oferecidas; é o costume apaziguar [tais] deuses através do sangue deles. Os corpos, porém, são suspensos em um bosque que fica próximo ao templo. De fato, esse bosque é tão sagrado para aqueles pagãos, que eles acreditam que cada árvore é sagrada em virtude da morte ou do chorume dos imolados. E ainda, ali cães e cavalos estão dependurados juntamente com homens, um dos cristãos contou-me que viu 72 desses corpos suspensos todos misturados. Além disso, os encantamentos que se costumam realizar nesse tipo de ritual de libação são muitos e degradantes, e por essa razão é melhor que sejam deixados de lado.
Cap. XVI – Falemos um pouco, agora, acerca da superstição dos suecos. Aquele povo (esc. 134) possui um famoso templo chamado Uppsala, não longe da cidade de Sigtuna. Naquele templo, que é totalmente ornado d’ouro, o povo adora as estátuas de três deuses, de modo que o mais poderoso deles, Thor, ocupa um trono no centro do salão. Ao seu lado, também Wotan [Odin] e Frikko [Freyr] preside sobre ar, sobre os trovões e os relâmpagos, os ventos e as chuvas, o bom tempo e sobre as colheitas. O outro, Wotan, ou seja, o furioso, rege a guerra e dá aos homens força contra seus inimigos. O terceiro é Frikko, que garante paz e prazeres aos mortais, cuja imagem eles adornam com um imenso falo. Quanto a Wotan, o representam arregimentado, conforme estamos acostumados a ver Marte. Thor, com seu cetro, nos lembraria Jove.

Cap. XVII – Ali, para todos os deuses, são atribuídos sacerdotes que oferecem sacrifícios pelo povo. Se peste ou fome são iminentes, libações são oferecidas ao ídolo de Thor; em caso de guerra, a Wotan; no caso de celebração de núpcias, a Frikko. É também costume que, a cada nove anos, celebre-se uma festa solene de todas as províncias da Suécia. A ninguém é garantida a imunidade de não comparecer ao festival. Reis e pessoas comuns, todos e cada um deles enviam suas oferendas a Uppsala. Ademais, o que é mais penoso do que qualquer forma de punição é que aqueles que já adotaram o cristianismo têm que se redimir por não participar do sacrifício. O sacrifício é assim: para todo ser vivo do sexo masculino, nove cabeças são selecionadas e o sangue é ofertado para aplacar os deuses. Os corpos são pendurados em um bosque ao lado do templo. Este bosque é tão sagrado aos olhos dos pagãos que eles acreditam que cada uma das árvores é divina por causa da morte sacrificial das vítimas. Ali, há até mesmo cães e cavalos pendurados junto aos corpos humanos, segundo me relataram alguns cristãos que os haviam visto. Além disso, os encantamentos usados nesse tipo de sacrifício ritual são múltiplos e desconhecidos, de forma que é melhor manter silêncio acerca deles. (Marttie, 2015)

XXVI Nobilissimum illa gens templum habet, quod Ubsola dicitur, non longe positum ab Sictona civitate [vel Birka]. In hoc templo, quod totum ex auro paratum est, statuas trium deorum veneratur populus, ita ut potentissimus eorum Thor in medio solium habeat triclinio; hinc et inde locum possident Wodan et Fricco. Quorum significationes eiusmodi sunt: 'Thor', inquiunt, ‘presidet in aere, qui tonitrus et fulmina, ventos ymbresque, serena et fruges gubernat. Alter Wodan, id est furor, bella gerit hominique ministrat virtutem contra inimicos. Tercius est Fricco, pacem voluptatemque largiens mortalibus’. Cuius etiam simulacrum fingunt cum ingenti priapo. Wodanem vero sculpunt armatum, sicut nostri Marterm solent; Thor autem cum sceptro Iovem simulare videtur. Colunt et deos ex hominibus factos, quos pro ingentibus factis immortalitate donant, sicut in Vita sancti Ansgarii legitur Hericum regem fecisse.

XXVII. Omnibus itaque diis suis attributos habent sacerdotes, qui sacrificia populi offerant. Si pestis et fames imminet, Thor ydolo lybatur, si bellum, Wodani, si nuptiae celebrandae sunt, Fricconi. Solet quoque post novem annos communis omnium Sueoniae provintiarum sollempnitas in Ubsola celebrari. Ad quam videlicet sollempnitatem nulli prestatur immunitas. Reges et populi, omnes et singuli sua dona transmittunt ad Ubsolam, et, quod omni pena crudelius est, illi, qui iam induerunt christianitatem, ab illis se redimunt cerimoniis. Sacrificium itaque tale est: ex omni animante, quod masculinum est, novem capita offeruntur, quorum sanguine deos [tales] placari mos est. Corpora autem suspenduntur in lucum, qui proximus est templo. Is enim lucus tam sacer est gentilibus, ut singulae arbores eius ex morte vel tabo immolatorum divinae credantur. Ibi etiam canes et equi pendent cum hominibus, quorum corpora mixtim suspensa narravit mihi aliquis christianorum LXXII vidisse. Ceterum neniae, quae in eiusmodi ritu libationis fieri solent, multiplices et inhonestae, ideoque melius reticendae. (Adam de Bremen, 1917, p. 257–260)

A despeito do grotesco equívoco na numeração dos capítulos, é notável que o tradutor do trecho inicia sua tradução com uma frase que não está presente na edição de Schmeidler. Ademais, ao final do capítulo 26 o tradutor ignora a oração a respeito do culto ao rei Erik, sem contudo indicar a omissão em seu texto, levando o leitor a crer que o texto de Adam se encerra ali com a comparação entre Thor e Júpiter (a quem o tradutor prefere se referir como Jove, um termo deveras desconhecido para o leitor médio, ainda que adequado). O tradutor também omite uma série de informações nos dois capítulos e, não se sabe se por lapso ou desonestidade, traduz termos latinos por portugueses não-correspondentes – por exemplo a tradução de inhonestae/desconhecido. Em suma, o estudante ou pesquisador que se basear nessa tradução publicada na obra de Langer estará lidando com uma tradução com graves problemas. Seu trabalho poderá cair em interpretações equivocadas em virtude da falta de rigor acadêmico com que a tradução se realizou, estando essa marcada por vícios críticos que colocam em questão sua utilidade para discutir o templo de Uppsala a partir de Adam de Bremen.

Um terceiro exemplo demonstra mais uma vez os riscos do uso de traduções. A fórmula de recomendação abaixo foi publicada por Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez, traduzida para o português primeiramente por F. Espinosa em 1981 e reproduzida pela autora em seu compêndio, sem a devida comparação com o original latino. Como consequência, além da imprecisão no uso de alguns termos, a autora manteve em sua obra um erro contido na tradução original. Abaixo recorro novamente às traduções paralelas.

Tradução minha a partir da MGH, Leges – Formulae Merowingici et Karolini aevi, p. 158

Tradução de Espinosa, reproduzida em Pedrero-Sánchez (2000, p. 95–96)

Original latino publicado na MGH, Leges – Formulae Merowingici et Karolini aevi (Zeumer, 1886, p. 158)

Ao magnífico Senhor [ele], eu, pois, [eu]. Posto que, e sendo reconhecido por todos que eu possuo muito pouco com que eu possa me alimentar ou me vestir, por essa razão eu implorei por vossa piedade, e a minha vontade determinou para mim, que eu deva me colocar sob, ou me entregar à vossa proteção, o que, portanto, eu também fiz, a saber, da seguinte maneira, que devas me ajudar e me confortar tanto em relação a alimentos quanto em relação a vestimentas, na mesma medida em que eu puder servir e desejar-vos bem, e eu, enquanto estiver vivo, na qualidade de um homem livre deva oferecer a ti serviço ou obediência, e que eu não tenha o poder de me subtrair de vosso poder ou proteção por todo o tempo de minha vida, mas (ao contrário) que eu deva permanecer sob vosso poder ou vossa proteção todos os dias da minha vida.
Ao magnífico Senhor [...], eu [...]. Sendo bem sabido por todos quão pouco tenho para me alimentar e vestir, apelei por esta razão para a vossa piedade, tendo vós decidido permitir-me que eu me entregue e encomende a vossa proteção; o que fiz nas seguintes condições: devereis ajudar-me e sustentar-me tanto em víveres como em vestuário, enquanto vos puder servir e merecer; e eu, enquanto for vivo, deverei prestar-vos serviço e obediência como um homem livre, sem que me seja permitido, em toda a minha vida, subtrair-me ao vosso poder e proteção, mas antes deverei permanecer, por todos os dias da minha vida, sob o vosso poder e defesa.
Domino magnifico illo ego enim ille. Dum et omnibus habetur percognitum, qualiter ego minime habeo, unde me pascere vel vestire debeam, ideo petii pietati vestrae, et mihi decrevit voluntas, ut me in vestrum mundoburdum tradere vel commendare deberem; quod ita et feci; eo videlicet modo, ut me tam de victu quam et de vestimento, iuxta quod vobis servire et promereri potuero, adiuvare vel consolare debeas, et dum ego in capud advixero, ingenuili ordine tibi servicium vel obsequium inpendere debeam et de vestra potestate vel mundoburdo tempore vitae meae potestatem non habeam subtrahendi, nisi sub vestra potestate vel defensione diebus vitae meae debeam permanere.

Conclusão:
Com essas pequenas reflexões a respeito do uso de traduções para o desenvolvimento de pesquisa e estudos na área de história medieval eu procurei demonstrar alguns dos perigos que uma tradução pode apresentar, sejam eles mais ou menos graves, como os exemplos permitem vislumbrar. Ainda que o estudante ou pesquisador não tenha domínio pleno da língua latina – o que é, de fato, indesculpável para o pesquisador profissional – o trabalho ao menos paralelo com a edição standard do texto original, quando disponível, ou diretamente com os manuscritos, é essencial. As traduções possuem um papel essencial na difusão do conhecimento e na atração de novos interessados para temas que naturalmente são considerados bastante distantes da realidade contemporânea. Porém, passado o primeiro momento, de familiarização com o tema relatado em determinada obra e com o início do interesse acadêmico pela pesquisa em história medieval, o que geralmente ocorre ainda na graduação, é mister que o estudante e futuro pesquisador se dedique ao estudo das línguas em que suas fontes foram compostas. Finalmente, para retomar um elemento que foi apontado no início do texto, a estética das artes é também uma linguagem a ser aprendida. Um pesquisador da arte medieval precisa conhecê-la para realizar uma correta interpretação da obra de arte, e precisa, sobretudo, acessar a obra de arte em si. O historiador que trabalha a partir de traduções seria equivalente ao historiador da arte que realiza toda a sua investigação baseado somente em uma descrição da obra, sem nunca a ter visto.

Referências
Prof. Dr. Lukas Gabriel Grzybowski, doutor pela Universität Hamburg, Professor Adjunto do Departamento de História, Área de História Antiga e Medieval da Universidade Estadual de Londrina.

Adam de Bremen. Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum. In: Schmeidler, B. (Ed.). Hamburgische Kirchengeschichte. 3. ed., Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1917 (Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi, 2), p. 1–280.

Croce, Benedetto. A história pensamento e ação. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.

Formulae Merowingici et Karolini aevi. In: Zeumer, Karl (Ed.). Hannover: Hahn, 1886. (Leges - Formulae Merowingici et Karolini aevi).

Goetz, Hans-Werner. Proseminar Geschichte: Mittelalter. 4. ed. Stuttgart: Ulmer, 2014. (UTB Geschichte, 1719).

Kristensen, Anne K. G. Studien zur Adam von Bremen Überlieferung. København: Københavns Universitet, 1975.

Langer, Johnni (Ed.). Dicionário de mitologia nórdica: Símbolos, mitos e ritos. 1. ed. São Paulo: Hedra, 2015.

Marttie, Rodrigo Mourão. Templo de Uppsala. In: Langer, J. (Ed.). Dicionário de mitologia nórdica: Símbolos, mitos e ritos. 1. ed., São Paulo: Hedra, 2015 ), p. 487–491.

Pedrero-Sánchez, Maria Guadalupe. História da Idade Média: Textos e testemunhas. São Paulo: UNESP, 2000.

Rahewin, von Freising. Rahewini Gesta Friderici I. imperatoris. In: Waitz, G.; Simson, B. von (Eds.). Ottonis et Rahewini Gesta Friderici I. imperatoris, Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1912 (1997) (Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi, 46), p. 162–346.

Trillmich, Werner. Magister Adam Bremensis, Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum: Übersetzung. In: Trillmich, W.; Buchner, R. (Eds.). Quellen des 9. und 11. Jahrhunderts zur Geschichte der hamburgischen Kirche und des Reiches. 6. ed., Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1990 (Ausgewählte Quellen zur deutschen Geschichte des Mittelalters, 11), p. 160–499.


Tschan, Francis Joseph. History of the archbishops of Hamburg-Bremen: Translation. In: Tschan, F. J. (Ed.). History of the archbishops of Hamburg-Bremen. 2. ed., New York: Columbia University Press, 2002 (Records of western civilization), p. 3–227.

31 comentários:

  1. Caro ptofessor Lukas Gabriel Grzybowski, antes de tudo, parabéns pelo trabalho instigante e provocativo. Gostaria de saber sua opinião acerca de traduções bilíngues lançadas no Brasil que trazem versões em latim e português, sendo esta última aparentemente uma tradução feita a partir de uma outra edição em língua moderna, como o francês. A suposta edição bilíngue com sua aparente autoridade pode conduzir a equívocos interpretativos ainda mais graves?

    ResponderExcluir
  2. Caro professor Carlile,
    Muito obrigado por sua pergunta. Ela é muito importante. Sem dúvida esse caso apontado é duplamente problemático. Primeiramente por partir do engodo de que o texto português seria paralelo ao latino publicado, o que não é o caso; sem segundo lugar pelo fato de edições com esse grau de comprometimento em geral não se basearem nas edições consagradas das obras no mundo acadêmico internacional. Tomo por exemplo o caso da tradução do Didascalicon de Hugo de S. Victor. Há uma tradução bilíngue para o português, mas é inútil enquanto peça acadêmica, pois o tradutor, se não me engano, baseou-se em um original encontrado online, no site “The Latin Library” em vez do recurso a uma das duas versões mais difundidas no meio acadêmico, da Patrologia Latina de J. P Migne, já ultrapassada, mas ainda em uso esporádico, sobretudo no Brasil e em países onde igualmente não se investiu na modernização de bibliotecas nas humanidades; ou a edição de Charles H. Buttimer, considerada ainda padrão para a obra. Isso é problemático, pois a versão online não apresenta o aparato crítico fundamental ao trabalho historiográfico, nem as variações das versões manuscritas da obra. Note-se que o Didascalicon possui centenas de manuscritos somente do século XII, número que se multiplica ainda até o XIV, manuscritos esses que apresentam diversas variações da obra. Portanto, não é qualquer obra que apresenta o rigor acadêmico pelo simples fato de apresentar uma versão latina (ou na língua em que foi originalmente redigido) do texto.
    Como consequência, a resposta à pergunta é positiva: essas edições podem conduzir a erro tão graves quanto qualquer tradução, especialmente aquelas que já partem de material traduzido. A edição, nesse caso, se baseia já na interpretação de outrem para então interpretar mais uma vez a obra. A versão antiga é mero engodo.

    ResponderExcluir
  3. Oi Lukas, tudo bem? Parabéns pelo texto! Queria apenas mencionar duas contribuições nesse sentido: 1) o prof. Clinio Amaral traduziu o manual de latim medieval da profa. Monique Goullet, que em breve será publicado pela Editora da Unicamp. Infelizmente carecemos de boas referências sobre o latim medieval no país e, ao estudarmos, temos que recorrer ao latim clássico; 2) cito o curso de paleografia da Alta Idade Média, que foi oferecido pelo prof. Eduardo Henrik Aubert no PPGHS da USP. Ele é um grande especialista do assunto e profundo conhecedor dos manuscritos e das formas de escritura da Idade Média. Aos interessados, eis as referências!

    Renan M. Birro

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Renan, é visível o crescimento da demanda por materiais de formação na área do latim medieval. De certo modo as propostas apresentadas são indicativo dessa realidade. Todavia, é preciso lembrar que, até que seja publicado o material de Monique Goullet, o jovem pesquisador no Brasil está, em geral, limitado ao aprendizado de línguas próximas - como o latim clássico - ou o estudo autodidata. É mister chamar atenção para tal condição, em um país em que se justifica a eliminação da área de história medieval do Currículo Comum com base em levantamentos equivocados a respeito do período, que demonstram, ao contrário do alegado, quão carente a área ainda se encontra no Brasil.

      Excluir
  4. O quanto um tradutor é "autônomo" para dar introduções e colocar no texto frases críticas que não condizem com a original? É preocupante, pois muitas pesquisas, por meio das traduções, podem estar equivocadas. Talvez, uma das soluções seria ir diretamente na fonte primária, mas como ensinar nas escolas/universidades o latim medieval, considerando não haver verbas para tal atividade?

    Adrienne Peixoto Cardoso

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezada Adrienne, certamente o tradutor é autônomo para inserir um aparato crítico juntamente com sua tradução, sobretudo sobre suas escolhas em trechos que não são unânimes em sua interpretação. Todavia, é preciso que esteja claramente identificado no texto da tradução aquilo que tem sua origem no original e aquilo que é comentário ou explicação do tradutor.
      O recurso ao texto original é necessário SEMPRE, mesmo quando existe a tradução, mesmo no caso da tradução bilíngüe, que muitos consideram mais segura de se trabalhar. Aprender as línguas das fontes envolve, via de regra, um esforço extra da parte do pesquisador, pois em muitos casos sequer é possível recorrer a cursos para o aprendizado. O autodidatismo acaba sendo regra nesses casos. Mas é possível recorrer a ferramentas úteis em todos os casos. O latim clássico, que ainda é ensinado com certa frequência nas universidades é um excelente ponto de partida para o aprendizado do latim medieval. Léxicos e gramáticas também podem ser adquiridas, como no caso do famoso Mediae Latinitatis LExicon Minus de Niermeyer.
      Finalmente, em um país como o Brasil, um possível financiamento para atividades ligadas à formação de pessoal só serão pensadas a partir do momento em que a demanda se fizer sentir nos círculos de poder, logo, a inexistência de estrutura não pode servir de argumento para que não se busque por outros meios a formação na área necessária para o trabalho de pesquisa.

      Excluir
  5. Boa Noite Professor Lukas e demais participantes.
    Professor estou cursando o Terceiro Ano de História na UEM de Maringá e o Tema Medievo é um dos que mais me chama a atenção e certamente será Tema de Estudo pra uma Futura Pós.
    Minha pergunta é a seguinte com relação às traduções:
    Na época atual onde as tecnologias chegaram num nível avançado e praticamente quase tudo está digitalizado e inclusive se traduz quase todo documento, pq no meio acadêmico ainda se trabalha no modo por assim dizer "artesanal"? Será que formula usada pela Escola dos Annales no sentido de Revolucionar a forma como se escreve História no sentido de revolucionar ficou naquilo mesmo fazendo um comparativo nesse sentido?
    Valmir da Silva Lima.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Valmir,
      para responder a tua pergunta é preciso dividi-la em duas partes:
      1) Primeiramente, o diagnóstico que você apresenta, do avanço tecnológico está correto, mas a conclusão de que o trabalho historiográfico permaneça "artesanal" não. A aplicação de tecnologias nas humanidades é um campo em amplo desenvolvimento, inclusive em se tratando da história medieval, em que projetos dos mais variados tipos propõem não somente fazer uso de tecnologias disponíveis como também desenvolver novas tecnologias específicas ao trabalho do historiador. Dois exemplos disso são as aplicações de história hipertextual e de arquivos hipertextuais, como é o projeto da Regesta Imperii, que tem ampliado exponencialmente o potencial do trabalho prosoprográfico; ou o projeto Transkribus, que vem desenvolvendo softwares específicos para a leitura de manuscritos medievais, hoje com percentagem de acerto próxima a 99%.
      2) Em segundo lugar, apesar desse imenso avanço, as tecnologias ainda não são capazes da subjetividade, especialmente quando se trata do uso de línguas e ferramentas retóricas. Três exemplos podem ajudar a esclarecer essa questão: 1) corre na internet um meme implicando a complexidade da língua alemã. Trata-se de um screenshot do google translator que traduz uma complexa frase do alemão para o inglês de maneira completamente equivocada. O leitor que compreende ambas as línguas percebe assim o quão limitada é a ferramenta de tradução automática. Se um leitor desconhece o alemão, precisa se fiar somente no que traduz a máquina e está fadado a trabalhar uma frase sem nenhum sentido. 2) Muito do uso da linguagem é mais que somente gramatical, mas cultural e subjetivo. Aqui, basta imaginar como uma máquina traduziria "dar um grau" e como alguém que desconhece o original interpretaria a frase. Pouco teria com exibicionismo, provavelmente. 3) O terceiro ponto é, a meu ver, ainda o mais importante. O recurso à língua original não é de forma alguma um arcaísmo ou uma insistência "artesanal", mas sim uma necessidade intrínseca ao trabalho do historiador, ainda que todos os demais recursos estejam à sua disposição. Os exemplos da conferência creio que deixam isso bastante claro. Ademais, se toda tradução contém em si mesma já uma interpretação, o recurso a uma tradução afasta o historiador do documento primário, prendendo-o na análise de um material secundário, já previamente interpretado pelo tradutor, o que é significativamente distinto da interpretação do próprio historiador.

      Excluir
    2. Professor Boa Noite e Obrigado pelo esclarecimento.
      De fato logo após a postagem verifiquei que minha pergunta tinha sido um pouco equivocada e me dei conta que sim, é necessário esse trabalho "à moda antiga" que é a essência do historiador. Ademais através de sua resposta e analisando ainda melhor seu texto que por sinal está ótimo, constatei aquilo de que mesmo toda a tecnologia não substitui esses estudos feitos com muito pra que seja entregado um trabalho o mais perfeito possível, no caso aqui das traduções. E mais uma vez parabéns pelo texto.

      Excluir
  6. A tradução do documento original, seja ela para qualquer língua, pode acarretar perda na informação e conhecimento sobre a idade média?
    Francisco Fablicio Martins.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, exatamente este é o ponto. Quando essa tradução ocorre já no âmbito do trabalho, admite-se que faz parte da interpretação do historiador.

      Excluir
  7. Bom Dia Professor, parabéns pelo trabalho de suma importância, levando em consideração todas alem destas questões levantadas tanto de caráter interpretativo, alem das línguas, conceitos, estruturas gramaticais. Me leva como estudante de história a sensação de que uma grande porcentagem do que estudamos, ser muito mais criatividade humana que fato histórico verídico. Com toda sua experiência, qual sua posição sobre este questionamento?
    Att. Maria Cristina do Amaral

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Maria Cristina,
      a sua pergunta é um tanto mais filosófica que histórica. De fato, em determinado momento, ao nos depararmos com os debates a respeito dos sentidos do conhecimento histórico e sua natureza narrativa e subjetiva parece que os conceitos centrais de fato e de verdade estão próximos do abismo, a ruir diante das críticas. Todavia, crio que se trata de um problema de foco. Quando trememos diante de tais sugestões estamos ainda trabalhando com uma dicotomia entre mundo real externo e perfeito, e narrativa imperfeita, deformada do real. A famosa anedota do historiador enxergando o passado somente através de um espelho borrado. Todavia, as implicações da crítica não se restringem ao trabalho historiográfico, mas competem a toda a noção de realidade. De fato, partindo do pressuposto que toda a apreensão de um suposto mundo externo é completamente criada nas sinapses neuronais, não faz nenhum sentido considerar que haja uma dicotomia entre o externo e o interno. Ambos se constituem, de fato, somente dentro dos processos cognitivos do ser humano. Por isso é preciso reconhecer que a história não está atrelada aos fatos passados, mas à percepção dos fatos passados, e se forma na relação dessas percepções e nossas percepções presentes a respeito dessas experiências passadas. E, embora a criatividade possa ter um papel nesse processo, o relato ou o vestígio da experiência é em si mesmo sempre genuíno, mesmo quando falsificado. Tal foi talvez a maior contribuição da aproximação da história à antropologia.

      Excluir
  8. Michell Alves de Almeida Ricarte10 de abril de 2019 às 09:35

    Olá Lukas. Antes de tudo, parabéns pelo teu texto e pesquisas. Enquanto tradutor que você também é, ao traduzir esses textos medievais, quais os principais procedimentos que você considera para fazer a verificação dum termo pouco compreensível ou que pode apresentar mais dum sentido? Michell Alves de Almeida Ricarte

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Michell,
      Aqui lidamos com duas perguntas em uma, pois um termo pouco compreensível é geralmente pouco utilizado e, por conseguinte, possui um sentido estrito. Por outro lado, um termo com muitas traduções possíveis é geralmente um termo comum.
      No caso de um termo incomum ou pouco compreensível, é preciso recorrer ou a um dicionário específico - por exemplo um dicionário de médio alto alemão, ou a uma análise etimológica da palavra, para reconhecer os possíveis sentidos do termo. Esses são recursos auxiliares que devem acompanhar o historiador a todo momento.
      No caso de uma palavra com muitos sentidos possíveis é preciso determinar primeiramente pelo contexto quais as variações que se enquadram no material trabalhado. Essa verificação contextual permite reconhecer usos correntes de um termo em determinada época ou região. Aqui mais uma vez os dicionários especializados e as etimologias ajudam o historiador a, pelo menos, reduzir a quantidade de possibilidades. Permanecendo o impasse, o historiador deve fazer uma opção, que geralmente condiz com sua interpretação subjetiva do texto, mas deve também incluir nota indicando a dubiedade do termo e justificando sua escolha. O tradutor pode seguir, obviamente, os mesmo passos, mas como seu intuito é apresentar um texto fluido e coerente na tradução, mais que fazer um estudo do documento, em geral esse tipo de apontamento não aparece.

      Excluir
  9. Pietro Ferrari da Costa10 de abril de 2019 às 12:16

    Foi um texto bem interessante e instigador. Quando você disse que: “Um pesquisador da arte medieval precisa conhecê-la para realizar uma correta interpretação da obra de arte, e precisa, sobretudo, acessar a obra de arte em si” já mostra a necessidade do tradutor, seja ele de um livro medieval ou de uma obra de arte, ter contato com o objeto a ser traduzido. Eu tenho uma experiência pessoal de que quando estudei nos livros sobre Pompéia, achava que era uma vila, mas quando visitei pessoalmente, vi que era uma cidade grande, com toda uma estrutura de comércio, lazer, repartições públicas, isso me fez pensar em como nos levamos a absorver o que o outro escreve. Diante deste fato, você acha que, quando formos escolher nosso objeto de pesquisa, devemos conhecê-lo na sua fonte primária?

    Pietro Ferrari da Costa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Pietro,
      via de regra é preciso ter noção do material com o qual se pretende trabalhar. O processo de aproximação a um objeto dificilmente é bem sucedido quanto o objeto é colocado como premissa. Do contrário, é a partir de uma proposta que parte do geral ao específico que normalmente o trabalho historiográfico se mostra mais produtivo. Do tema geral de interesse o historiador vai concentrando sua atenção sobre aspectos cada vez mais específicos até encontrar seu objeto de pesquisa. Nesse processo ele logo estará consciente a respeito de que tipo de materiais lhe atraem e, carecendo um treinamento específico, ele poderá buscar essa qualificação enquanto ainda trabalha com um panorama mais geral do contexto que lhe interessa. Para retornar ao exemplo das artes ou da cultura material, à medida que vai se afunilando o interesse por uma obra ou conjunto de obras, ou um determinado aspecto da cultura material, o estudante não deve somente absorver o resultado das pesquisas e panoramas, mas deve buscar compreender as técnicas e as linguagens específicas utilizadas por outros especialistas para desenvolver tais pesquisas.

      Excluir
  10. Olá, Lucas! Parabéns pelo excelente texto, é um prazer ler o seu trabalho, sempre muito preciso e consciente em suas reflexões. A minha questão está relacionada a uma citação que você fez no texto, cito-a: “Toda tradução é, portanto, até certo grau ela mesma uma já interpretação” (GOETZ, 2014, p. 251). Gostaria se, possível, que você comentasse um pouco mais sobre como um historiador/tradutor deve se portar diante textos cujos significados, muitas vezes, escapam-nos completamente e, muitas vezes, temos que fazer aproximações que nem sempre são as melhores. Principalmente, como você bem lembrou em seu texto, a maior parte dos textos medievais não era pontuada e, em diversas ocasiões, somos obrigados a lidar com edições do século XIX que não necessariamente representam boas escolhas no que diz respeito à pontuação, entre outras escolhas dos editores das grandes compilações de fontes medievais realizadas no século XIX. Para além disso, há o aspecto ideológico subjacente a essas traduções, as quais, falam, às vezes, mais do século XIX do que do medievo. Afinal, o historiador/tradutor também é sempre um homem do seu tempo, você não acha?
    Abraços! Clínio

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Clínio,
      a sua pergunta me colocou a refletir bastante. Isso é muito bom! De fato, creio que ela se compõe de dois problemas: por um lado a questão das edições; por outro lado a questão das traduções. Quanto às edições, creio que é preciso, para o historiador, analisar a constituição das mesmas, especialmente através do estudo das introduções/prefácios que trazem uma gama de informações quanto ao processo de seleção dos documentos manuscritos e as técnicas utilizadas para a reconstituição dos textos na forma editada. Aqui é perceptível um franco avanço que concatena tanto as preocupações do campo historiográfico, como as possibilidades trazidas pela tecnologia editorial. Uma comparação possível é, nesse caso, entre os materiais publicados na Patrologia Latina de Migne, e no Corpus Christianorum, mais recente. Esta segunda coleção trata os materiais de maneira distinta da primeira. Migne preocupava-se em garantir o acesso a documentos em uma base ampla e não necessariamente acadêmica. Por essa razão, muitos dos materiais publicados se baseiam em um único manuscrito, e a maioria dos textos foi retrabalhado para Migne no sentido da "normalização" da língua latina, ou seja, na interferência do editor sobre o texto para aproximá-lo do latim clássico, tanto no tocante à ortografia quanto sintaxe. O Corpus, por outro lado, parte de uma perspectiva acadêmica. Os materiais impressos são precedidos por longos estudos de diplomática que apresentam geralmente o estado de preservação dos manuscritos, as linhagens do texto e os grupamentos de recensões distintas do material utilizado. Ademais, comumente se opta pela versão reconhecida como mais antiga para servir como base da edição impressa, sem, contudo, ignorar as variedades em outras classes de manuscritos da mesma obra, sendo as variações geralmente apresentadas entre colchetes ou em notas na edição impressa. Isso pode se estender a tal ponto, que uma edição impressa se veja obrigada a apresentar dois textos dos manuscritos em paralelo, como é o caso da edição da Crônica de Theitmar de Merseburg na MGH. Ali, como há duas recensões muito utilizadas, porém, muito distintas, o editor optou por imprimir ambas, face a face, nas páginas do documento moderno. O avanço nas tecnologias editoriais atualmente permite ainda a impressão de caracteres típicos ao manuscrito medieval, que até há poucas décadas ainda eram ignorados. Um exemplo desse avanço se encontra, por exemplo, no Corpus Victorinus, em que as características ortográficas dos manuscritos foram mantidas, inclusive a ausência de pontuações, as abreviações e sinais de leitura dos documentos originais. A preocupação, nesse caso, é notadamente acadêmica, de fornecer ao estudioso uma experiência mais próxima possível do trabalho com os manuscritos. Recentemente discute-se também a possibilidade da impressão de documentos com a inclusão das glosas e das marginálias nas edições, o que nos colocaria quase diante do próprio manuscrito. As discussões nesse caso são bastante intensas, sobretudo no tocante a quais anotações deveriam ser incluídas e quais não, de que classes documentais, de que mão, e assim por diante. Creio, contudo, que em breve estaremos diante de avanços importantes, especialmente pelo recurso a tecnologias digitais hipertextuais inseridas nas impressões dos documentos.

      Excluir
    2. A questão das traduções é outra, muito mais complexa. Aqui, de fato, as influências do tradutor não podem ser contornadas, sequer pelo recurso tecnológico. É preciso manter em mente, nesse caso, que o tradutor, de modo geral, quer tornar determinada obra acessível ao público moderno, mas sem ter uma preocupação profunda, necessariamente, com o uso acadêmico do texto. Quando este uso se demonstra, por exemplo através de edições dedicadas ao uso na graduação, esta geralmente aparece em paralelo com o texto da edição padrão na língua original, incorporando, via de regra, não somente o texto original, mas também o aparato crítico da edição, que muitas vezes é traduzido juntamente com o texto. Ademais, quando da preparação da edição traduzida, procura-se normalmente respeitar inclusive a paginação do original, a fim de que o leitor possa acompanhar e, eventualmente, comparar a tradução ao texto original. Traduções que omitem tais dados e dificultam a comparação com o original, via de regra não se pretendem como materiais de pesquisa, mas tão somente de divulgação. Ainda assim, mesmo quando a tradução respeita todos os critérios mencionados acima (algo que passou a ser preocupação dos tradutores somente a partir do pós-guerra) o texto a ser analisado deve ser sempre o da edição padrão, razão pela qual ela geralmente acompanha a tradução. A tradução em si serve somente para a rápida leitura e localização de temas ou conteúdos de interesse para a análise, que será então realizada no original.
      A ideologia presente em ambos os casos é inegável. Reconhecer o contexto de produção das edições é fundamental, e faz parte do trabalho historiográfico. O mesmo tipo de questionamento se faz em relação aos documentos primários, logo, nada mais lógico que se questionar as escolhas e usos dos documentos editados e traduções. O reconhecimento desses contextos, das tendências dos autores, é um caminho prático para possibilitar o trabalho com esses materiais, através de uma postura crítica, e não cega, às informações apresentadas. Sobretudo no tocante às traduções, parte desse trabalho crítico envolve necessariamente a comparação do texto traduzido com o original sobre o qual ele alega se basear. É aqui, como demonstrei em meu trabalho, que grande parte dos materiais irá demonstrar suas limitações, ou mesmo as fraudes descaradas do material traduzido. A comparação do trabalho do historiador com a do investigador criminal é muitas vezes recordada. Para o historiador, o primeiro crime se mostra justamente no preparo dos materiais de trabalho. E, constatada a fraude, é dever do investigador legar o documento fraudado ao ostracismo, ou à lixeira.

      Excluir
  11. A história medieval, além de ser um álbum riquíssimo de fatos reais do passado, é, sobretudo, caminhos percorridos pela humanidade com seus respectivos saldos e resultados, oferecendo, assim, uma retomada de consciência para novos passos no presente com algumas possibilidades no futuro, fruto de lições encarnadas com o fazimento da própria história e das de outrem. Inegável a importância do historiador/tradutor, todavia esses grandes números traduções não pode levar um complexo de controvérsia campo de analise interpretativo?

    Ricardo Nogueira Albino Neto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Ricardo,
      essa seria sim uma possibilidade, caso não houvesse o documento de origem da tradução para desfazer o impasse. O debate em torno da preferência por essa ou aquela interpretação é um elemento intrínseco ao trabalho do historiador, ou mesmo da experiência cotidiana de cada indivíduo, afinal estamos todos a todo o tempo lendo e interpretando o mundo de acordo com nossos próprios horizontes de pensamento, necessariamente distintos dos demais indivíduos. A obrigação do historiador para com o documento em sua língua original existe justamente para marcar esses posicionamentos e distinções entre o que o documento apresenta, em sua materialidade, e o que o historiador interpreta em relação a esse documento.

      Excluir
  12. Durante a Era Medieval sabe-se do quão grande foram as atrocidades feitas pela igreja católica, antes da reforma protestante a população em sua maioria não sabia ler e sendo assim não tinha conhecimento sobre o que continha na Bíblia. Martinho Lutero ao perceber isso se revoltou e traduziu a bíblia para que todos pudessem saber o que tinha nela. Seria possível que Martinho tenha alterado coisas em sua tradução para atrair e induzir um número maior de pessoas a lerem suas teses e se revoltarem também contra a igreja católica ?

    att: João Victor Santos do Nascimento

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá João Victor,
      primeiramente, é preciso cuidar com os exageros. A tua leitura do papel da igreja na Idade Média está bastante enviesada e não encontra respaldo na documentação sobre o período. Abusos ocorreram, sem dúvida, mas foram muito mais pontuais que sistemáticos. O mesmo se refere ao teu entendimento do letramento no período, especialmente se considerando o recorte apresentado, do início do século XVI. A tua questão quanto ao trabalho de tradução de Lutero também não se sustenta, posto que os materiais utilizados pelo reformador nos estão disponíveis - os textos sagrados do cristianismo no grego e no hebraico - e podem/puderam ser logo comparados com o trabalho deste. Interessantemente, ao contrário do trabalho de Lutero, é o texto sagrado da tradição católica que tardará a recuperar os documentos originais para a tradução Às línguas modernas, baseando-se por longo período ainda sobre a Vulgata, já uma tradução de Jerônimo de Estridão.

      Excluir
  13. Parabéns Lukas. Gostei muito da abordagem do seu texto sobre a necessidade imperiosa de se conhecer a língua original do tema que se vai estudar.

    Fiz minha graduação em Teologia em Roma e também o meu mestrado. Quando apresentei ao meu orientador do mestrado o autor que eu gostaria de estudar, a primeira coisa que ele me perguntou foi: "você sabe bem o grego clássico"? Pois o meu autor era um autor bizantino. Minha resposta foi: "não". Então ele me disse: "procure, então, um autor cuja língua original você conheça. Não é admissível estudar um tema ou autor no mestrado se não se tem domínio da língua original". Claro que para as línguas modernas, isso talvez seja uma exigência não tão estrita. Mas para alguém que deseja se especializar em temas/autores da antiguidade ou da época medieval, o conhecimento da língua latina ou grega é de suma importância. Toda tradução, por melhor que seja, será sempre uma traição, já dizia uma professora minha.

    Portanto eu pergunto: você acredita que seria possível a introdução do estudo do latim e do grego em nossas escolas de ensino fundamental e médio, como acontecem em muitos países da Europa? Ou será que ainda estamos muito longe de conseguir este salto de qualidade? Como incentivar os alunos dos ensinos fundamental, médio e superior ao interesse pela questões humanísticas?

    Max Celestino Sales de Almeida

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Max,
      1) certamente seria possível oferecer disciplinas de línguas clássicas aos alunos durante a formação básica. Para tanto, todavia, carecemos de uma visão que abarque tal possibilidade. O modelo escolar brasileiro hoje encontra-se sob fortes ataques por ser, segundo seus detratores, demasiado humanista, ou filosófico, e pouco tecnicista. A demanda é para um tecnicismo cada vez maior, o que impossibilita o debate em torno da inclusão das línguas clássicas no ensino básico, posto que a elas se associam as humanidades e filosofias. Do ponto de vista prático, também, haveria o problema da falta de profissionais capacitados para o ensino de línguas clássicas no ensino básico, mas, sem dúvida, a questão político filosófica é muito mais difícil de sanar que a questão técnica de pessoal.
      2) Não creio que seja uma questão de salto de qualidade. Alunos de países que possuem o ensino de línguas clássicas no ensino básico também tem problemas de aprendizagem. O que nos falta é, efetivamente, uma visão que inclua as línguas clássicas como componente da formação de cada cidadão, ou ao menos de uma parcela mais ampla da população, e, certamente, o aporte de recursos para viabilizar uma tal visão.
      3) A terceira questão é muito mais complexa, pois ela envolve uma "revolução" na forma de toda a sociedade pensar as questões humanísticas. O grande problema, a meu ver, continua sendo o desdém com que os temas humanísticos são tratados no cotidiano de nossa sociedade. Assim, é difícil apresentar ao aluno tais temas, sem que este o receba com esse mesmo desdém, que ele absorve através de sua interação com a sociedade. Hoje, de maneira ainda mais aguçada que há alguns anos, e radicalmente oposta ao que ocorria no início do século passado, a educação é vista como um produto de mercado, e como tal deve trazer resultados imediatos e visíveis. Uma formação humanística não pode cobrir tais demandas, ao menos da forma como é cobrada. Ademais, questões humanísticas hoje são erroneamente associadas a campos específicos do político, ou a ideologias específicas, de modo que se bloqueia imediatamente um raciocínio mais amplo e um interesse mais geral por questões que são, efetivamente, de todos os humanos. Para que não pareça uma completa desistência frente aos desafios, penso particularmente que é preciso um movimento de aproximação à realidade do jovem, apontando como tais questões permeiam seus próprios interesses, a fim de que ele desperte em si o desejo de buscar mais informações e formação na área.

      Excluir
  14. Olá professor, excelente texto! Diante dos apresentados, gostaria de saber sua opinião em relação à aproximação do latim em diferentes temporalidades. Faço aulas de Latim clássico por ser o acessível a mim no momento, mas com vistas à leitura de textos medievais. Neste sentido, considerando que me encaminho à elaboração do TCC em um curso de graduação, estudos monográficos dedicados a autores medievais específicos podem suprir possíveis carências neste determinado momento?

    Att. Guilherme Tavares Lopes Balau

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Guilherme,
      é sem dúvida hoje o caminho mais adequado. De fato, mesmo em países com uma tradição mais ampla no estudo de línguas clássicas, geralmente este se inicia pelo latim e/ou grego clássicos e somente a partir de uma sólida base nessas áreas é que se passa então a estudar o latim medieval, ou o grego arcaico, por exemplo. Eventualmente o aluno irá encontrar algumas dificuldades quanto às línguas em suas evoluções medievais, ou suas predecessoras arcaicas. No caso das línguas medievais, por exemplo, as dificuldades mais comuns são de ortografia. A forma de escrita das palavras muda com o tempo. Ou surgem novos termos, adaptações de línguas vernáculas utilizadas em forma latinizada. Aqui o recurso a um dicionário específico costuma ser suficiente para suprir as dificuldades. O mesmo para as línguas arcaicas, com o diferencial que nas línguas arcaicas há também maior variação de usos sintáticos nos textos. De modo geral, as gramáticas costumam se simplificar com o passar do tempo, então, costuma ser mais fácil se enveredar pelo latim medieval com uma boa base do latim clássico.

      Excluir
  15. Gemima Gomes de Carvalho Santos11 de abril de 2019 às 15:17

    Boa noite professor Lucas, seu texto é muito interessante. Como estudante do segundo semestre de história, tenho ainda muitas dúvidas quanto ao uso de textos em outras línguas, suas contribuições foram muito pertinentes. Sabendo a importância de se estudar textos com fontes que serão muitas vezes estudadas somente em outras línguas estrangeiras, e muitas vezes com o uso de uma linguagem totalmente rebuscada, como identificar, na tradução, quando o autor está usando termos, que muitas vezes é pertinente da região onde se encontra, ou da época em que se está se falando, por exemplo?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Gemima,
      para reconhecer um particularismo do autor, ou uma característica contextual do momento da tradução é preciso ao menos duas coisas: primeiramente um profundo conhecimento da língua para a qual o documento foi traduzido. Assim, é comum reconhecer em uma tradução para o português se o autor faz apenas uso de arcaísmos em uma busca inerte pela demonstração de erudição, ou se o texto foi traduzido em outro contexto temporal. Afinal, um texto de Castro Alves se diferencia bastante de um texto de Paulo Leminski, por exemplo, algo que um profundo conhecedor da língua portuguesa consegue identificar facilmente. A segunda ferramente é o recurso a um bom dicionário acompanhando a leitura. Bons dicionários em geral trazem, além da definição do termo, exemplos de seu uso cotidiano e variações, usualmente identificadas, de usos pregressos do termo. Assim, num dicionário do português encontraríamos hoje a definição de "carro" como um veículo automotor, e em seguida a explicação que pode se referir a um veículo tracionado por animais, em um uso antigo.

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.