LITERATURAS MEDIEVAIS SOB A ÓTICA
CONTEMPORÂNEA: A RESSIGNIFICAÇÃO DE PERSONAGENS MEDIEVAIS NAS OBRAS DE TOLKIEN
E ROWLING
No
nosso dia a dia, o resgate de elementos medievais, ou que, pelo menos, se
apresentam como medievais são visíveis, principalmente, nas artes, isto é,
literatura, cinema, artes plásticas e afins. Curiosamente, se pensarmos nas
produções dos séculos XX e XXI de literatura que trazem como gênero a Fantasia
– que tem como uma das características apresentar muitos elementos que, no
imaginário social, são associados à Idade Média –, muitos de nós, lembrarão de
nomes famosíssimos como John R. R. Tolkien, Clive S. Lewis, Ursula K. Le Guin e
Joanne K. Rowling. Mas se, após retomarmos esses nomes, perguntarmos a nós
mesmos: quais desses nomes são os mais difundidos hoje? Sem sombra de dúvidas,
Joanne K. Rowling é uma unanimidade, e, em segundo lugar, John R. R. Tolkien,
seria colocado.
Paul
Zumthor (2009, p.16-17) escreveu que o público espera do medievalista a
explicação da formação dos avatares e, até mesmo, da finalidade das culturas.
Essa curiosidade, em compreender tais fenômenos, coloca o medievo em um espaço
que antes era ocupado pela Antiguidade, sendo termo de referência não só para
questões culturais, mas sociais e políticas atuais. É através das comparações e
associações livres que transitam nos imaginários que a Idade Média é retomada
ora positivada, ora negativada.
O
conceito de imaginário social aqui cunhado, é pautado nos estudos e escritos de
Bronislaw Backzo (1985, p. 292), o qual, escreve que “os imaginários sociais
constituem outros tantos pontos de referência no vasto sistema simbólico que
qualquer colectividade produz e através da qual, como disse Mauss, ela se
percepciona, divide e elabora os seus próprios objetivos”.
Apesar
do imaginário social,muitas das vezes, ser colocado como agente passivo diante
das representações e apresentações do mundo, ao notarmos, em nossa pesquisa
especificamente, que o mesmo associa certos tipos de personagens como sendo
próprios de um medievo – ou existente, ou de uma produção medieval – ele não se
coloca apaticamente diante desse movimento de adaptação e ressignificação que
há na literatura. Pelo contrário, age ativamente com tal movimento, auxiliando
na construção de certos arquétipos e de certas crenças.
Colocando
tais considerações em nossas análises, é através da relação imaginário social,
autor e público alvo que personagens como o dragão Smaug de O Hobbit ou o elfo
Dobby de Harry Potter ganhar o status de seres medievais. Desta constatação é
importante destacar que, sob lentes distantes, estabelecer relações medievais
com a coleção Harry Potter é muito mais cautelosa que com os escritos
tolkienianos, uma vez que a história se passa, declaradamente, nos anos 90. A
justificativa, então, para que pudéssemos fazer tais relações, se dá pela
ascendência de determinados personagens, bem como pelas influências dos estudos
da autora e não pelo contexto colocado na narrativa.
Tendo
em mente que, indiretamente, as fantasias que trazem elfos, duendes, dragões,
guerreiros com espadas e armaduras são associadas ao medievo; que, graças à
sétima arte, nós podemos ter um apelo ainda mais expressivo em tocar os
imaginários com tais ideias e formulações, e que os grandes nomes lembrados
desse gênero, são as obras de Joanne K. Rowling, ‘Harry Potter’ (1997-2007),
dividido em sete volumes e de John R. R. Tolkien, principalmente ‘O Senhor dos
Aneis’ (1954-55) e ‘O Hobbit’ (1934), é que propomos (i) a análise das obras, comparando
os personagens comuns e (ii) a compreensão de, até que ponto, elementos de uma
cultura e sociedade da Idade Média estão inseridos nessas obras.
Ao
elencarmos os personagens comuns às narrativas, tanto literárias, quanto
fílmicas, podemos constar que há elfos – atenção especial a Dobby e Légolas em
‘Harry Potter’ e nas obras tolkenianas, respectivamente –, uma figura mágica
extremamente similar em vestes e características físicas e psicológicas,
remetendo ao conselheiro do heroi– Dumbledore e Gandalf em ‘Harry Potter’ e as
obras tolkenianas, respectivamente –,dragões– Norbert de ‘Harry Potter’ e Smaug
em ‘O Hobbit’ –, aranhas – Aragog em ‘Harry Potter’, Ungoliant e Laracna na
Terra Média de Tolkien – e os Goblins – duendes na obra de Rowling e orcs na
obra de Tolkien. E, com exceção das aranhas, todos os seres e personagens
citados acima são associados pelo público com o medievo.
Tais
personagens, ao serem representados de uma forma similar – descritos
fisicamente e desempenhando determinadas funções – ajudam na construção de
certos arquétipos, dentro desse imaginário tido como medieval. Em outras
palavras, quando pensamos num elfo, num mago, num goblin, certas características
comuns nos vêm à mente; isso se dá pelas construções de arquétipos em nosso
imaginário social.
É
importante compreendermos que, ao falarmos de arquétipo, não nos referimos ao
conceito que Jung empregou na psicologia analítica, apropriando-se do conceito
antes pensado, dentro da própria literatura. Sabe-se que Jung apoiou-se na
literatura clássica e medieval para a construção do seu conceito. Autores como
Pseudo-Dionísio Aeropagita, Platão e Santo Agostinho fazem parte do embasamento
teórico para a sua definição de arquétipo. Ao empregarmos neste trabalho o
conceito, entendemos que os tipos de personagens citados acima, construídos,
muitas das vezes por uma cultura medieval,são os moldes para todos os outros personagens
posteriores da mesma tipologia. Isto é, através das formulações de magos,
dragões e elfos da Idade Média, e do movimento de adaptação e ressignificação,
algumas características que podem ser associadas ao medievo – como a forma de
um dragão pelos bestiários medievais – permanecem adaptadas a contemporaneidade
e outras se perdem dentro desse movimento – como o fato do mago, guia de um
herói, não aparentar, necessariamente, ser idoso.
Dado
que entendemos o arquétipo como características comungadas pelos personagens
que partilham uma mesma tipologia, e que alguns elementos dessa tipologia são
advindos da cultura medieval, esses personagens seriam representados nas
narrativas da mesma forma que podemos encontrar na literatura medieval? O modus operandi de tais personagens,
assemelha-se ao que podemos encontrar nos registros da Idade Média? Claramente
não poderíamos responder tais perguntas com uma certeza que escapa aos nossos
dedos diante de uma série de escritos medievais, de épocas e localidades
distintas. Mas para não fazer desse trabalho um salto no vazio ou um punhado de
achismos, nos pautamos em entrevistas, declarações, redes sociais, cartas,
biografias e outras pesquisas. Com tais fontes de pesquisa sobre os autores, primeiramente,
buscamos compreender as inspirações e leituras dos autores para construir seus
personagens e depois compararmos os elementos medievais com os contemporâneos.
Isto posto, o autor sul-africano John R. R.
Tolkien estudou Antiguidade Clássica, e depois Letras e Literatura Inglesa. Foi
professor de Inglês Antigo em Oxford, e, apesar do contexto histórico fazer
parte da construção da mitologia do autor, sua obra não é somente uma alegoria.
Todo seu estudo a partir de romances, novelas, epopeias e mitos medievais da
sua localidade e de tantas outras faz com que a obra ganhe profundidade em
elementos que extrapolam o status de alegoria e alcancem o de “Fantasia
Tolkieniana” (LOBDELL, 2005).
Após
a conclusão da graduação, Tolkien se alista para trabalhar na Guerra e é
mandado para o 11º Batalhão dos fuzileiros de Lancashire, como segundo tenente.
Participou da Batalha do Somme, contraiu a febre das trincheiras e, assim,
retornou à Inglaterra.
O contexto
histórico de Tolkien, como pudemos perceber, foi marcado por diversos conflitos
grandiosos, sendo um dos principais a Primeira Guerra Mundial. Conhecida como
Guerra dos Poetas, a Primeira Guerra foi marcada por uma série de obras
literárias entre e pós-guerra. Com o uso de ironia a fim de denunciar os
absurdos da guerra, algumas obras têm como uma das características a
disseminação de uma cultura de esperança diante dos traumas de guerra vividos
pela população em geral e pelos próprios literatos do movimento.
Como
fruto desse contexto histórico bastante conturbado, expressões de pulsão de
ficção (SPERBER, 2009), que referencia a necessidade humana de efabular alguma
experiência vivida de grande intensidade e a busca de elementos maravilhosos de
um passado medieval, são visíveis na literatura, como na literatura tolkieniana,
visível nos conflitos belicosos entre a Sociedade do Anel e os exércitos
dominados por Sauron ou na vigilância incansável de Smeágol sobre O Anel.
Apesar
do contexto histórico fazer parte da construção da mitologia de Tolkien, é de
suma importância salientar que sua obra não é somente uma alegoria. Todo seu
estudo a partir de romances, novelas, epopeias e mitos medievais da sua
localidade e de tantas outras faz com que suas obras ganhem profundidade em
elementos que extrapolam o status de alegoria.
Tolkien produziu dois romances de fantasia
baseados em algumas obras antigas tais como Beowulf,
Völsunga Saga, Kalevala, Eddas, Nibegungenlied. Esses textos tinham como
característica conectar os ingleses a um passado antigo, “uma mitologia para o
povo inglês que os ligasse aos antigos deuses celtas e nórdicos, dando-lhes uma
herança divina”(POLACHINI, 1984, p.24). E, de maneira geral, o que podemos
salientar da obra de Tolkien, que apresenta elementos maravilhosos do medievo,
é que ela combina elementos de um homem do século XX que sofreu em participar
da Primeira Guerra Mundial e de elementos medievais, frutos de seu estudo, de
modo bastante imbricado (DE DECCA, 2000).
A
outra autora em questão, Joanne K. Rowling, possui bacharelado em Artes
Francesas e em Estudos Clássicos, pela Universidade de Exeter. Segundo a mesma,
leu os livros de Tolkien durante a faculdade (PARKER, 2012, s.p.) e é
fortemente influenciada pelos escritos da ativista dos direitos humanos,
Jessica Mitford e também tem no seu hall
de autores favoritos, Clive S. Lewis, Paul Gallico, Terence White e Jane Austen
(ROWLING, 2006, s.p.).
Sobre
o contexto de produção bastante diferente dos autores já citados, a autora se
insere no fim da Guerra Fria, e no início de uma série de discussões acerca de
igualdade racial e direitos humanos. Rowling é filantropa em prol do combate à
pobreza e à desigualdade, participando de inúmeros eventos para arrecadar
fundos para ONGs como os Médicos sem Fronteiras. Tais discussões sobre
preconceito e desigualdade podem ser evidenciados pela divisão de bruxos
apresentada através da personagem Hermione Granger, Lilian Potter, Severo Snape
e o próprio Tom Riddle – nome de Lord Voldemort –. Tal apresentação é imbuída
de mensagens como não importa onde você nasceu, mas o que você é, mas, talvez,
a principal mensagem, e comum a todos os citados seja que alguém da “camada
baixa”, “desigual” perante a uma aristocracia dominante – não em maioria, mas
em poderio social – pode ser detentor de conhecimentos mágicos muito mais
complexos e intensos em comparação a quem nasceu em uma família “tradicional”
de bruxos.
Colocadas as bases de Tolkien e Rowling que
poderiam se relacionar com um conhecimento de literatura medieval, ou inspirada
em tal cultura, e, também, parte de seus contextos históricos como partes
fundamentais para a adaptação e ressignificação dos elementos dessa cultura
medieval, traçaremos os paralelos possíveis entre os tempos históricos
distintos e ambos os autores. É importante destacar aqui, a importância das
adaptações cinematográficas em compor tais personagens citados, uma vez que
vivemos em uma cultura ricamente visual e a maioria conhece as narrativas
fílmicas em detrimento das narrativas literárias.
Segundo estudos de Santiago Barreiro (2014,
s.p.), em alguns escritos nórdicos antigos, da região da Escandinávia Medieval,
os elfos, álfar,seriam seres associados
às características deseres detentores de luz e de boa saúde (BARREIRO, 2014,
s.p.). Isto posto, os elfos de Tolkien se assemelham muito mais aos elfos
descritos nas literaturas da Escandinávia Medieval, sendo seres altos, de boa
aparência e belos na Terra Média, além de serem bons arqueiros – associação
muito recorrente também em jogos de RPG –,enquanto os elfos de Rowling são
pequenos, feios e feitos de escravos e inferiores pelos socialmente ascendidos,
tendo em comum, somente, as orelhas pontiagudas e a “raça”.
Já os velhos conselheiros mágicos,
Dumbledore e Gandalf, são similares em muitos aspectos.Ambos usam vestimentas
longas, cabelos e barbas longas e chapéus pontiagudos. Ademais, tais magos
causam, ao longo da narrativa, a sensação de mistério em aparecer e desaparecer
repentinamente. Ainda no que tange suas similaridades, ambos ajudam um herói
juvenil em guerras, sendo reconhecidos pelo papel de conselheiros, sábios e
poderosos dentro e fora de batalha.Possuem vínculos com a natureza, como o fato
de falar línguas de seres fantásticos que habitam as florestas como Dumbledore
falando serêiaco e Gandalf se comunicando com as águias gigantes e, tais
características, assemelham-se em partes com os druidas da Antiguidade Tardia
(BUENO, 2018).
Mas o que seriam os druidas? Estudos apontam que os
druidas, nos registros escritos de diversos pensadores como Amiano Marcelino,
Júlio César e Plínio, executavam atividades que variavam entre: juízes,
médicos, mentores da filosofia ética, conselheiro de reis, poetas, sábios,
intelectuais, participantes de guerras e executores de funções religiosas
(LUPI, 2012, p.71-72).Resumidamente, “os druidas eram intelectuais [...] tinham
especial sabedoria acerca da natureza em geral tanto da astronomia e cosmologia
como dos reinos animal e vegetal; e exerciam funções jurídicas, e políticas
além das pedagógicas” (LUPI, 2012, p.74). Tais características descritas por
pensadores da Antiguidade Tardia e assimiladas e adaptadas ao longo da
história, podem ter inspirado a formação de um arquétipo de mago, um modelo
ideal que é visível tanto em Dumbledore, quanto em Gandalf.
Dos
dragões podemos salientar que Smaug, do ‘O Hobbit’ é muito mais imponente e
malvado, lembrando mais os bestiários medievais que Norbert, que é colocado sob
a lente de uma visão romantizada dos animais “fantásticos”, principalmente em
relação em como Rúbeo Hagrid os vê – como seres incompreendidos –, melhor
explorado, com outros personagens, na obra ‘Animais Fantásticos e Onde Habitam’
da mesma autora.
Por
fim, destaquemos os Goblins. O termo vem do francês antigo gobelin, que, por sua vez, origina-se no latim medieval gobelinus, que pode estar relacionado a cobalus, do grego kóbalos, significando o mesmo que enganador ou desonesto (SIKES,
1998, s.p.). Na mitologia Tolkieniana, os Goblins, são chamados de Orcs. Os mesmos
atacam as minas escuras de Moria, matando todos os seres existentes no mesmo
local. Em O Hobbit, de John Tolkien,
há a inserção de Hobgoblins que são uma ameaça maior e mais forte que os
próprios Goblins. Entretanto, Tolkien comentou em uma de suas cartas, que após
estudar mais a fundo o folclore inglês medieval, ele tinha concebido que a
afirmação de que Hobgoblins seriam uma espécie maior de Goblins, é, na verdade,
o inverso do original, sendo assim, Tolkien então rebatizou-os de Uruks ou
Uruk-hai, numa tentativa de corrigir seu erro.
Já
na literatura de Rowling, os Goblins são chamados de duendes. Eles são os
responsáveis pelo banco Gringotts, onde fica todo o ouro do mundo bruxo. São
gananciosos, enganadores, mas são bem mais baixos que os Goblins de Tolkien. Um
deles inclusive, nomeado Grampo, engana Harry e seus amigos no último livro,
deixando-os sozinhos no cofre de Belatriz Lestrange. Todavia, apesar de serem
diferentes em modus operandi e em
altura, ambos os Goblins são feios, têm orelhas pontudas e são personagens
associados à vilania.
Entretanto,
é importante ressaltar que o entendimento de Idade Média que podemos ter a
partir dessas literaturas e adaptações contemporâneas não se trata de
conhecimento apenas do próprio medievo, mas de uma “amálgama de várias Idades
Médias [que são] evocadas em um mesmo espaço diegético” (SILVA, 2016, p.20).
Ao
notarmos que os autores conheciam literaturas típicas do próprio período,
conseguimos compreender o diálogo proposto através de uma adaptação e ressignificação
de elementos medievais, imbricando seu contexto de produção, outras leituras,
seu próprio estilo literário e sua própria vida como inspiração para às
construções narrativas. Como Groebner aponta “esta época [a Idade Média] foi
literalmente criada através de desejos, por mais de centenas de anos e, desde
então, ela é projetada, esboçada, equipada e mobiliada com os desejos”
(GROEBNER, 2008, p.11 apud. SILVA, op. cit., p. 3-4). Em outras palavras, as
obras não lidam somente com as leituras de obras medievais, mas também, e
principalmente, com todos os elementos trabalhados, construídos e
ressignificados no decorrer dos tempos, e só assim puderam existir e fazer
sentido na atualidade.
As figuras dadas como medievais, no decorrer da História, vieram se
transformando de acordo com o contexto histórico. Entretanto, para além desse
contexto, as influências medievais são de extrema importância em sua
constituição. Através da adaptação do medievo, os diversos personagens passaram
a existir no imaginário literário, bem como através da ressignificação, esses
ganharam novas habilidades e características que se tornaram fundamentais
dentro da sociedade de construção do personagem, como o ser mágico e
conselheiro ser associado a velhice, enquanto alguns magos medievais são
colocados como jovens (SILVA, 2016).
Ademais,
os próprios escritos medievais também se transformam com o contexto e estilo
dos autores. As localidades, os contextos políticos, as emergências sociais e o
meio cultural são distintos e tais elementos são importantes para a construção
das obras que se configuram enquanto literatura e história.
Em
suma, os personagens que tocam os imaginários de forma a apresentarem-se como
medievais, colocados nos suportes contemporâneos tem sua inspiração em literaturas
medievais, mas quanto mais distante a obra se configura do período de
inspiração, menos medieval é e, portanto, o que é preservado e difundido em
tais literaturas e, até mesmo, em suas adaptações cinematográficas posteriores,
são as noções de Idade Média – Idade das Trevas, o Medievo Romantizado e tantas
outras visões que são formuladas e reformuladas através das transformações do
“medieval” difundido pela cultura em maior escala e, pelas artes, mais
especificamente –, bem como o contexto vivido pelos autores, suas bagagens e
suas lentes.
Referências
Lunielle
de Brito Santos Bueno é mestranda em História Social pela Universidade Estadual
de Londrina, graduanda de Licenciatura em Filosofia pela mesma universidade,
bolsista pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem – LEDI.
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BUENO,
L. O arquétipo de mago a partir de Merlin:
um estudo de literaturas medievais e cinema contemporâneo. Trabalho de
Conclusão de Curso, Londrina – UEL, 2018.
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LUPI, João. Os druidas. Brathair-Revista de Estudos Celtas e
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TOLKIEN, J. R. R. O
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São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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Olá Lunielle, tudo bem? Obrigado pelo texto! Sua conclusão adentra uma discussão presente em um dos grupos de pesquisa que faço parte: o que queremos expressar com a palavra "Medieval"? Considerando que o termo "Idade Média" é um recurso didático para retratar um passado constantemente ressignificado, não seria a Idade Média uma sobreposição de inúmeras interpretações e representações de um passado que apelidamos de Medieval?
ResponderExcluirRenan M. Birro
Olá Renan, estou bem, obrigada. Gostaria de agradecer sua mensagem.E, de maneira sucinta, ao meu ver, sim, não só o que chamamos de "Medieval" passa por adaptações e ressignificações, como o que chamamos de "Antiguidade", "Antiguidade Tardia", "Moderno" e, até mesmo, "Contemporâneo". A conclusão da minha monografia, base para esse paper, é justamente essa: um certo "devir histórico", da não permanência estática de paradigmas e formulações acerca do passado nos permite abranger o conceito que utilizo da Danielle Galindo de "adaptação e ressignificação". Assim como escrevi, as visões de Idade Média ora são romantizadas ora deturpadas, e tal afirmação, apesar de parecer que tirei de uma "verdadeira Idade Média" posta em check por tais visões, na verdade, só parti das interpretações atuais de estudiosas e estudiosos de tal período.
ExcluirEm linhas gerais, concordo que Idade Média é apenas um enquadramento temporal, cultural, social e econômico que com fins didáticos, que, apesar de dar base a uma historiografia, não é fechada em si e passa por reformulações como qualquer outra definição e enquadramento historiográfico.
Lunielle Bueno
Dada a presença desses elementos medievais dos países que compõe o Reino Unido nas obras de Tolkien e Rowling, seria possível argumentar que contribuem para o processo de construção de uma identidade nacional britânica ou foram afetados pelo processo?
ResponderExcluirAna Carolina Vilas Boas
Olá, Ana Carolina. Obrigada pela mensagem! Eu acredito que foi uma via de mão dupla. Sem sombra de dúvidas não há como pensarmos tal movimento, se não, de forma perpendicular. A contribuição Tolkeniana nos anos de 30 a 50, ainda hoje são fundamentais para pensar "que elementos do passado queremos resgatar a fim de construir uma identidade nacional britânica?" Tolkien produziu dois romances122 de fantasia baseados em algumas obras antigas tais como Beowulf, Völsunga Saga, Kalevala, Eddas, Nibegungenlied, principalmente com textos que conectasse os ingleses a um passado antigo. Como escreve Polachini (1984, P.24) “uma mitologia para o povo inglês que os ligasse aos antigos deuses celtas e nórdicos, dando-lhes uma herança divina". Isto posto, acredito que Joanne K. Rowling tenha feito o mesmo: bebeu nas águas dessa literatura inglesa, não só Tolkien (a mesma até declarou publicamente que leu os romances de Tolkien), e contribuiu, a partir de suas narrativas, para novas bases de uma identidade nacional britânica que já tinha sofrido influência de outros autores como o John R.R. Tolkien.
ExcluirEm linhas gerais, concluo, houve uma dialética entre afetar e ser afetado pelo processo.
Lunielle Bueno
Boa tarde
ResponderExcluirE possível problematizar em sala de aula a construção destes personagens, e fazer um paralelo com as culturas dos povos germânicos presentes no medievo?
Vitória Rodrigues de Brito.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirReformulando a questão.
ExcluirHá possibilidade de usar os personagens das obras de Tolkien ou Rowling, como meios para se conhecer ás culturas dos povos germânicos?
Vitória Rodrigues de Brito
Olá, Vitória. Muito obrigada por sua questão. Acredito que a mesma é bastante pertinente quando pensamos como aproximar o conhecimento fruto de pesquisas acadêmicas e historiográficas, de uma construção de conhecimento do aluno. Sem sombra de dúvidas, ao meu ver, utilizar filmografia e literatura como ponto inicial para apresentar formulações históricas acerca de qualquer temática, é fundamental. Especificamente no caso de minha pesquisa, podemos utilizar os personagens das literaturas, e até de suas adaptações cinematográficas, pra pensarmos a cultura, de modo mais abrangente (as reformulações que ocorrem através dos tempos) e a cultura dos povos germânicos, abrangendo áreas como o âmbito político e social da mesma.
ExcluirLunielle Bueno
Bom dia Lunielle,
ResponderExcluirGostei bastante do seu texto.
Você poderia comentar um pouco sobre como o discurso que se perpetuou acerca da bruxaria na Idade Média e suas associações com os marginais e pactos diabólicos aparece na obra da Rowling? Imagino que seja possível perceber traços desse pensamento em falas da família Dursley.
Mariane Godoy da Costa Leal Ferreira
Olá, Mariane. Muito obrigada pelo questionamento! Primeiramente é extremamente importante salientar que o termo em inglês dado à categoria dos personagens é "wizard" e, duas vezes, ao Dumbledore de "sorcerer" ou coisa similar. Originalmente produzidas em língua inglesa, mago ou bruxo não tem distinção alguma de classificação ou supremacia de poder (no contexto de produção), diferentemente da tradição brasileira, que, influenciada por uma série de conflitos entre tradição cristã e religiões afro-brasileiras, denota, até meados dos anos 80 e 90 um sentido ruim ao “bruxo”, vinculando-o a características mal-intencionadas e sombrias (situação que foi perpetuou no discurso de um final de Idade Média, início da Era Moderna com a caça às bruxas e bruxos pela Inquisição).
ExcluirEntretanto, essa tradição (no Brasil) muda com o movimento de contracultura no Brasil, em que a bruxaria e as religiões vinculadas a essa recuperação do imaginário acerca do medievo, como a Wicca, bem como o sentido pejorativo, transformam-se, ganhando um novo significado e rompendo com as formulações tradicionais. Um exemplo disso é o chamamento de Dumbledore; uma vez que o mesmo é descrito no livro e nos filmes como wizard (que geralmente é traduzido como mago para língua portuguesa), e quando traduzidos livros e filmes para o Brasil, o mesmo é colocado como bruxo (e isso vale para todos os personagens homens), já as mulheres, são chamadas de "Witch" (aqui sim a questão da classificação e tradução é um pouco mais complexa).
Agora tomemos o seu exemplo: a família Dursley, dentro do mundo dos de "sangue puro" é uma das mais marginalizadas por sua condição socioeconômica, há todo um discurso da família Malfoy de que eles são a 'ralé do mundo bruxo', 'subordinados a uma lógica que os puro sangue abastados comandam', 'sem excelência em seus feitos mágicos', 'péssimos alunos de magia'. Todavia, ao meu ver, a discriminação mais escrachada a eles é a econômica: usam livros de segunda mão, usam roupas dos irmãos mais velhos, não têm dinheiro para comprar livros e afins. Há, sim, uma própria discriminação dentro da comunidade mágica mais abastada em relação a esses, marginalizados. Mas, por exemplo, se pararmos pra refletir sobre as relações de poder criadas pela autora, os mais marginalizados não são os bruxos nascidos de uma família de bruxos. Mas sim os que são vistos como outsiders: ou os filhos de bruxos com trouxas; ou os nascidos de trouxas e, principalmente, os trouxas ou os abortos.
Um ponto importante a acrescentar sobre tal temática: A Rowling estudou inglês antigo, estava inserida num contexto de Guerra Fria, discussões acerca do preconceito e desigualdade pela ONU, e tal contexto pode ser evidenciados pela divisão de bruxos que a mesma apresenta e monstra através da personagem Hermione Granger, Lilian Potter, Severo Snape e o próprio Tom Riddle – nome de Lord Voldemort – que alguém da “camada baixa”, “desigual” perante a uma aristocracia dominante – não em maioria, mas em poder – pode ser detentor de conhecimentos mágicos muito mais complexos e intensos em comparação a quem nasceu em uma família “tradicional” de bruxos (mostrando um pouco desse movimento entre mostrar a desigualdade e mostrar a 'superação' desse estereótipo).
Essa divisão tripartite tem como a camada dominante os bruxos de “puro sangue”, ou seja, os que nascem já em uma família de bruxos tanto da parte paterna quanto da materna; em seguida, os “mestiços”, filhos de bruxos com trouxas ou nascidos de trouxas e por fim, os abortos ou nascidos trouxas.
Em linhas gerais: há sim, uma discussão pertinente, entre a associação de magia depreciativa vinculada aos marginais da sociedade fruto de um discurso que perpetuou da bruxaria de uma Baixa Idade Média e começo de Era Moderna, mas também há todo um contexto histórico da autora influenciando tais discussões entre os estabelecidos e os outsiders e os níveis de incorporação dos indivíduos nessas estruturas estabelecidas.
Lunielle Bueno
Ótimo artigo, interessante esta analise, a repaginação do imaginário medieval na literatura contemporânea trás novas abordagens a essas criaturas, visto que para o povo medievo essas criaturas eram palpáveis. A repaginação deste seres na literatura torna interessante para trabalha-los o imagético medieval em termos comparativos, entre idade media e mundo contemporâneo?
ResponderExcluirLuanna Klíscia de Amorim Mendes
Olá, Luanna. Muito obrigada pelo comentário! Nas considerações finais de minha monografia eu levanto, rapidamente, essa temática, mostrando como o "mago" medieval dos séculos XII/XIII foram representados imageticamente e como Dumbledore e Gandalf são representados no mundo contemporâneo. Como trabalhei com o conceito de arquétipo, encaixou como uma luva fazer essa comparação. Talvez fazê-la por fazer seria um tanto complicado, mas usando conceitos que viabilizem tal ação, só teríamos a ganhar!
ExcluirLunielle Bueno